História da índia perdida

15 March 2010

Que saudades da índia
nunca por mim viajada!
Que dor de a ter perdido algure
sem qualquer canto da casa
em qualquer sono profundo
em qualquer vala da estrada
em qualquer canto do mundo
em noite de encruzilhada!

Que mágoa de a ter esquecido
e de agora a lembrar!
Que peso de a ter perdido
num canto anónimo da terra
e de ter olhado os dedos
vazios e destroçados
e sentir todos os medos
novamente nesses dedos
d'Ela poder escapar!

Que desencanto num canto
nenhures a ter deixado!
índia do meu grande pranto
índia do meu sofrimento
que deixei em qualquer lado
como um pobre guarda-chuva
vilmente deixado onde
não há memória que esteja!

Índia da grande promessa
quem sabe lá se esquecida
no fundo duma gaveta
no quarto que abandonei
em não-sei-onde do planeta.

Ganges onde me banhei
templo em que meditei
oh Siva do meu transporte
volúpia acre dos medos
bebedeiras de euforia
espasmo de furor santo
meu júbilo de magna Morte!

Revolta de ter olvidado
as vezes que me cortei
os membros na primavera
para dá-los deslumbrado
a um deus silencioso
em quem tinha fé sincera.

Oh índia abandonada
tudo por culpa da minha
vida feliz e mesquinha
que não presta para nada!
Oh índia abandonada
no fundo duma gaveta
deste nosso planeta!


Herberto Helder

1 comment:

Concha said...

A escolher um grande poeta madeirense...
Também gosto da «História da Índia Perdida».
Beijinhos e muitas,muitas saudades!!!